Inscrições indicariam que Javé teria tido como companheira a deusa da fertilidade Asherah. Tese é polêmica; outros especialistas dizem que Deus só 'absorveu' atributos da deusa.
Na Bíblia hebraica existem mais de 40 referências a Asherah e ao seu símbolo, inclusive demonstrando a sua presença dentro do Templo de Jerusalém, o Templo de Javé", conta Ana Luisa Alves Cordeiro, mestranda em ciências da religião na Universidade Católica de Goiás.
Nessas referências, a deusa é sempre retratada como uma influência religiosa negativa dos povos vizinhos sobre os israelitas, competindo com o culto do verdadeiro Deus.
Cordeiro está estudando o impacto da reforma religiosa liderada por Josias, rei de Judá (o reino israelita do sul), por volta do ano 620 a.C., na qual o símbolo da deusa teria sido arrancado do Templo e queimado.
No entanto, o culto a Asherah parece ter sido mais importante fora de Jerusalém, nos chamados "lugares altos", afirma a pesquisadora.
Em tais locais, o poste de madeira era substituído por árvores vivas como símbolo da deusa.
"Eram santuários ao ar livre, nos topos das montanhas. Isso evidencia uma profunda ligação com a natureza", diz Cordeiro. O culto a Asherah seria uma forma de reverenciar a fertilidade feminina e o papel da mulher como doadora ou mantenedora da vida.
"E a árvore é o símbolo dessa abundância", avalia a pesquisadora.
Durante muito tempo, esse tipo de culto foi considerado uma influência religiosa estrangeira sobre o povo de Israel, conforme o que dizia a Bíblia.
Se o culto a Asherah era tão comum quando esses indícios esparsos indicam, o que teria levado ao fim dele?
A Bíblia explica o processo como uma contaminação constante da religião de Israel pelos povos pagãos, a qual nem muitas reformas religiosas purificadoras, como a do rei Josias, foram capazes de apagar antes do exílio na Babilônia.
Ribeiro, no entanto, diz acreditar que muitas dessas histórias de reforma foram projeções dos sacerdotes do Templo de Jerusalém, elaboradas na época depois do exílio.
"A comunidade dos que voltam da Babilônia se organiza em torno do Templo de Jerusalém, sob a liderança dos sacerdotes e com o apoio do Império Persa [que dominou a região depois de vencer a Babilônia].
Então, toda ameaça a esse processo de centralização do poder sacerdotal foi combatida, de forma que só acabou sobrando o culto a Javé. Foi um acidente histórico, num momento crítico, que acabou se tornando a visão dominante."
Já para Ana Luisa Cordeiro, da Universidade Católica de Goiás, os eventos antigos têm implicações para a própria visão excessivamente masculina de Deus que acabou se tornando dominante entre judeus e cristãos.
Não é que a sociedade na qual Asherah era adorada fosse necessariamente igualitária entre homens e mulheres, pondera ela, mas pelo menos abria espaço para enxergar o sagrado com um lado feminino.
"Reimaginar o sagrado como Deusa é reimaginar as relações de poder, não numa tentativa de apagar a presença de Deus, mas sim de dar espaço ao feminino no sagrado, o feminino não como um atributo do Deus masculino, mas como Deusa", avalia Cordeiro.
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